As coisas individuais.

 

                                              Imagem de Saskia Plotz por Pixabay.

As coisas individuais.

Eu não estou nem aí por me imiscuir na realidade apesar que se eu estou aqui ela me diz respeito sim, ou seria eu apenas uma falha no sistema, uma anomalia aleatória acumulada no circuito e seus infinitos caminhos? O equívoco pertence ao corpo assim como a monotonia da platitude porque há quem se conforme com a trivialidade e não explora o infinito de possibilidades nessa textura áspera chamada supostamente de axioma numa demonstração fugaz de certeza. Pois se o simulacro se evidencia, o que exatamente ele é? Algum propósito norteia minhas vontades? A qual padrão assimétrico pertence essa minha discrepância que insiste em não se alinhar com o que é comum?

A regra, o padrão sempre me afetaram, claro, para viver se torna necessário seguir algumas, ou a realidade te expele sem piedade do contexto pasteurizado de uma paz monótona criada para ovelhas. Vista sua cobertura de lã e se comporte coletivamente, se alimente em grupo, receba todas as vacinas programadas, use a plaqueta de identificação e espere a tosa pacientemente. Aceite que alguém que não faz parte do conjunto ao qual você pertence decidiu que o melhor está em fazer parte do rebanho. Você, não ele. Seja simples como desejam, não ultrapasse limites, não questione e muito menos pergunte. A dúvida pertence a quem raciocina, não é o seu caso, o instinto lhe fornece apenas os comandos básicos para atividades banais e rotineiras do seu cotidiano.

A suposta realidade é banal e perigosa. Ela serve de abrigo para obscenidades sociais e comportamentais que untam a ocasião com sua abjeta gordura lubrificante subproduto de ocasiões vadias que ocupam o espaço fornecido pela hesitação e por temores aleatórios de uma existência vulgar. E uma pessoa banal não passa de uma forma, de um molde, que pode receber qualquer coisa para preenchimento do seu vazio intrínseco. Porque o nada é inerente ao arrebanhado, nenhuma hipótese lhe pertence além da conduta de grupo. Pensar por si exige uma conduta mental além das fronteiras do controle, e habilidade para se fazer de massa quando na realidade se é produto definido.

A habilidade primordial de quem ainda raciocina está em viver furtivamente entre os espaços do padrão, migrar de plataforma ocasionalmente quando o contexto se tornar insalubre para o exercício da inteligência, ser um idiota quando for preciso para se adaptar em determinado contexto, seja ladino sem ser vulgar pois o exagero denuncia a ação. Sua realidade será seu castelo, a edifique bem, porque o mundo lá fora está repleto de carneiros, e eles não gostam de diferenças, começam a balir para chamar a atenção do dono. Nada mais inconveniente para você do que despertar ressentimentos na população controlada. A arte de sobreviver com idiotas está na capacidade de conduzir o cotidiano adaptando-se a capacidade de quem o cerca. E cada vez está ficando mais raro encontrar companhia que pensa neste oceano de insanidade.

Não é por arrogância, mas por sobrevivência mental. Mesmo sabendo que indivíduos com autonomia mental acabem se repelindo por energia de seu campo energético pessoal, este atributo fundamental de preservação, o simples saber que nesse infinito de possibilidades existe alguém com suas características já fornece um alento a tantos momentos de solidão. Afinal, mais alguém também não se conforma com cabresto, com coleira e com agrupamento coletivo similar ao manejo de animais de corte. O irracional abana o rabo para quem o alimenta, o racional além de não ter rabo, luta, constrói e produz seu alimento, planeja seu futuro, e se vencer ou fracassar isso será produto unicamente de suas escolhas, e não da determinação de um dono. Pertencer a si mesmo é divino, e nenhum prazer poderá se equiparar a isso.

Gerson Ferreira Filho.

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Coerência.

 

                                              Imagem de Jurgen Bierlein por Pixabay.

 Coerência.

Não queira me falar de valores e retidão se você permite o assanhamento dos métodos escusos. Quem aceita o mais ou menos não perfila com a exatidão de caráter que os reais valores de honestidade exige, o santo dos santos de quem é realmente honesto e digno de se chamar de um homem ou mulher de bem. A vida, nós sabemos, exige em muitos momentos, algum ajuste disparatado e pouco ético, ainda mais quando o ambiente que circunda aceita apenas o ignóbil como contribuição. A realidade é cruel , mas o objetivo deve ser não se perder na abjeta realidade de um cotidiano que exige primordialmente sobrevivência. Mesmo assim, fustigado por sombras, se deve manter a luz interna que guia ao bom caminho. Propostas inaceitáveis não devem fazer eco na boa alma, assuntos faz trevas não devem pertencer ao rol das escolhas possíveis.

Não se engane, o mal sempre cobra. E a condescendência conveniente de hoje terá um alto preço com o prosseguimento dos dias. A última linha de defesa, o derradeiro castelo sempre será sua consciência. Em caso de rendição, você fará o serviço do maligno, aprovando sua conduta e seus procedimentos sem se dar conta que virou uma ferramenta da destruição. Então, não se alie psicologicamente com algo que na sua conduta e procedimento indica o desvio do bom caminho, os detalhes, este espaço nebuloso onde sempre se ocultam os segredos inconfessáveis, ocultos na aleatoriedade dos eventos, prendem como eficiente armadilha, e geram comprometimentos indesejáveis que certamente não irão de nenhuma forma proporcionar um amanhã sadio.

Lembre-se, a harmonia não coaduna com a insensatez. Somente uma base psicótica aceitaria uma incoerência como refeição, e se você aceitar se alimentar mentalmente com ídolos empanados com conservadorismo e não perceber que está na realidade se envenenando com aquilo que tanto rejeita e procura fugir. O mal te oferece dois caminhos, um nitidamente abjeto, e outro com aparência palatável e ilusoriamente agradável. As duas vias vão te levar ao mesmo lugar, não há uma alternativa, não existe escolha, leve uma marretada na cabeça, ou tome um analgésico, e leve uma marretada na cabeça. A suposta opção que você acha que tem é um engodo, a agenda de domínio internacional está em implementação constante, e através de um suposto conservadorismo. Qual a diferença ente um e outro método? O lubrificante? O analgésico?

Lamento, eu me excluo do jogo, se é domínio absoluto que desejam, que se refestelem na carcaça de sociedade que vai sobrar no fim dessa ação de pura insanidade. Sempre me pautei pelo conteúdo da palavra correta, da retidão e do respeito aos melhores valores da civilização. Errei tropecei, levantei e me livrei da poeira. Meu caminho, minha trajetória existencial provavelmente eu não tracei. E se ela acabar um dia em algum campo de extermínio, para criar um “mundo melhor” para um conjunto de privilegiados, minhas desculpas, não contará com a minha colaboração. Forçosamente e por natureza, como indivíduo não tenho como resistir ao arbítrio e a pusilanimidade de quem deveria me proteger como cidadão. Mas saibam que eu sei para onde estão me levando, e a coerência com o divino supre minhas necessidades psicológicas.

Gerson Ferreira Filho.

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Seja óbvio sem ser banal.

 

                                                           Imagem de Sabrina por Pixabay.

Seja óbvio sem ser banal.

Sentenças subliminares dançam freneticamente no tecido do tempo, onde o turbilhão de propostas ocupam todo espaço crítico destinado a razão. Não! Existir não é uma proposta, mas sim um propósito que guarda em si o que ocasionalmente apelidarão de destino, quando o produto de uma ação, ou da omissão se apresentar como resultado. Não existirá no após espaço para lamentos, o que vier terá a forma de um paradoxo do contrassenso utilitário, construído em camadas enquanto a calmaria confortável embriagava com seus encantos de estabilidade a massa na sua avidez peculiar por prazer e entretenimento.

O corriqueiro não guarda o incomum, não espere lealdade do oximoro de uma possível luz que resplandece nas trevas, se assim proceder será enganado, investigue as origens, se aprofunde nos detalhes, pois lá estão aquelas coisas que não são confessadas, mas delineiam a estrutura comportamental no futuro. O valor moral tem de estar presente nas fundações de qualquer proposta inclusive a política, ou em algum momento o caminho mais fácil e sedutor terá prioridade em detrimento do que é correto e daria bons frutos. Quem aceita viver e suportar o erro sem ser por sobrevivência pessoal já está incorporado na massa que forma a estrutura total.

Claro, tudo indica que agora é tarde, concessões já foram assimiladas com coisas inaceitáveis, e tudo o que está delineado hoje não passa de reinício do mesmo ciclo de domínio que sempre afligiu a sociedade. A redenção se espera no processo religioso. Fora disso o vício acompanha inevitavelmente os que tiveram origem na escuridão, inusitado seria se fosse diferente. Aguardar o acaso como salvação quando se utiliza as peças erradas na composição da realidade faz parte de um delírio fortuito que agoniza na certeza da péssima escolha. A paixão exacerbada em qualquer nível e situação corrompe a alma e a torna suscetível ao erro e ao inevitável desastre. Quem muito ama admite deslizes e concorda com absurdos para continuar sendo objeto de premissas obscenas.

Então, seja atributo da razão, mesmo que nada mais se possa fazer. Porque nas entrelinhas da realidade algo surpreendente pode surgir de um suposto nada para ocasionalmente alterar o que supostamente já está definido, a impossibilidade não existe dentro dessa ainda incompreendida fluidez cósmica. Afinal, tudo depende de ângulo, de possível paralaxe que se tenha no nosso campo de visão. Toda essa obviedade latente na realidade presumida pode apenas ser uma banalidade ocasional que venha surgir como aprendizado e enriquecimento cognitivo dentro dos nossos limitados recursos. Se for enganado, seja enganado sabendo disso e se comporte manuseando a realidade quando se permite a uma criança acreditar que trapaceou e venceu. Até porque a trapaça sempre será o recurso da ausência de conteúdo.

Gerson Ferreira Filho.

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A república do pau vermelho.

 

                                                 Imagem de Gerd Altmann por Pixabay.

A República do pau vermelho.

Atenção assembleia! Todos de pé, solicito a todos uma saudação ao deus Estado, nosso provedor fundamental, senhor de todos os nossos dias, nossa maior realização em termos de sociedade e regulador de todo e qualquer desejo e Vontade! Responde a assembleia de forma apaixonada, salve! Salve! Estou aqui, eu o representante do Estado para conduzir conforme as regras estabelecidas e determinadas o julgamento do companheiro Berineu, que segundo informações coletadas por nosso eficiente serviço de informação, chegou a conclusão que o nobre companheiro consumiu uma coxinha em dia inadequado para tal ação, uma vez que a alimentação está regulada por nosso inigualável sistema de controle de consumo de calorias e de alimentos de origem animal, hoje totalmente proibidos para o coletivo. Com a palavra o representante do Estado incumbido da defesa do acusado: (ao coletivo não é mais permitido ter representação particular).

- Salve o Estado! Excelência! Em nome do meu representado venho alegar que o mesmo não comeu a coxinha, mas somete cheirou, e que o aroma da iguaria foi o que o levou ao leve delito de desejar porém, sem consumar o crime a ele atribuído, mesmo tendo testemunhas ocultas que garantem que meu representado comeu de fato e assim consumou o crime do qual é acusado. Ele incorre apenas no crime do desejo e não no ato hediondo de consumir o referido produto alvo de sua vontade impertinente e inadequada segundo nossas regras sociais coletivas estabelecidas pelo nobre Estado, Salve! Assim seja louvado!

- Nobre representante do acusado, teremos e ouvir de forma preliminar os acusadores pois a palavra de um acusador sempre tem mais peso e prioridade no nosso arcabouço legal. A atividade é considerada nobre e passível de remuneração e premiação pois se trata de um instrumento fundamental para a segurança da estrutura do Estado como organização perfeita e inatingível. Incontestável nas suas determinações e base da nossa organizada sociedade. Sendo assim que os acusadores apresentem sua palavra e depoimento.

Temos assim no prosseguimento deste evento a aproximação dos serviçais da residência onde existiu o suposto delito, um jardineiro que estava nas proximidades e observou a atitude inadequada e um pintor de paredes que da varanda foi possível também observar o ocorrido. A infração ocorreu quando o acusado, um entregador de encomendas de nome Berineu ao tocar a campainha da casa do nobre Senador de Estado Fissura larga, um dos mais proeminentes nomes da nossa magnífica república se valia de um antepasto de coxinhas a base de carne de frangos selecionados e por ocasião da abertura da porta principal, um fluxo inadequado de ar, levou o aroma do salgadinho até ao encontro do nariz impertinente do entregador de encomendas. E assim teve início o depoimento dos acusadores.

- Excelência, trabalhamos na nossa rotina diária de manutenção preditiva da área externa da residência no nobre Senador Fissura Larga e não pudemos deixar de notar a fisionomia de prazer inquestionável do entregador, que ousou usufruir do prazer somente permitido aos selecionados e membros da nossa equânime sociedade que só admite este prazer aos merecedores de fato. O nobre Senador teve seu momento de prazer violado e percebendo isso cumprimos o nosso dever de oferecer a denúncia por tal ato bárbaro e vil do funcionário de entregas.

Então o condutor do evento se pronunciou a respeito da ocorrência:

- Nobre defensor do acusado. A atitude do referido entregador de encomendas ultrapassa o limite do admissível, se tratando de um verdadeiro assédio a um momento particular de uma autoridade política de imenso valor não cabe aqui nada além de uma punição de prisão por 10 dias e multa a ser aplicada em desconto no salário do referido funcionário. Não será cobrado um pedido de desculpas porque pouparemos o tão qualificado Senador da presença inconveniente do referido Berineu, de comportamento descabido. Quanto aos denunciantes, a multa aplicada ao infrator será creditada aos dois por bons serviços prestados `a República. Uma ação correta e digna de bons cidadãos que amam seu Estado e suas organizações governamentais. Algo para acrescentar defensor?

- Não excelência! Salve o Estado! A justiça foi realizada em plenitude, o acusado será encaminhado para a instituição penal. Será recomendado a utilização de máscara para que não cometa mais violações semelhantes quando em serviço, aumentando a segurança e a qualidade da atividade em questão. Não há necessidade de nenhuma manifestação do acusado, simplesmente por ser acusado, não se faz merecedor de palavra na sessão. Devolvo a palavra ao líder, vossa excelência para encerramento.

- Assim sendo encerro a ocorrência e a assembleia com a consciência do dever cumprido e com a certeza que cumpri toda a legislação inspirada no nosso grande filósofo e inspirador da construção da nossa magnífica República, Franz Kafka.

Vocês certamente querem saber do Berineu, ora o Berineu se…

Gerson Ferreira Filho.

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