O inquietante calor de quase
trinta e três graus da noite era um alívio refrescante quando comparado à
temperatura do dia. A leve brisa da tarde havia perdido a batalha para o
mormaço. O transito fluía nas estreitas ruas da cidade sem planejamento
moderno, uma angústia já sentida por boa parte da população, isso já não era
problema exclusivo de cidade grande. Termínio que passou quase toda vida na capital
construiu uma casa em um terreno dado por sua mãe Leogácia, esta “atitude
nobre” se deveu a uma disputa por benefícios entre os seis filhos, e debaixo de
pressão; Leogácia acabou cedendo, perto da praia, numa região desvalorizada,
comprou alguns terrenos a preço módico para investimento, portanto neste caso
Termínio acabou beneficiado. Até Jaconildo o seu padrasto feirante comprou uns
terrenos por lá, nos dez anos que ficou casado com Leogácia, Jaconildo melhorou
consideravelmente seu patrimônio, talvez tenha sido isso que levou a não fazer
questão da casa em que morava e saiu entregando-a ao Olivário.
Lá também e bem próximo morava sua
irmã, Levilha a maior beneficiária das atenções e dos recursos de Leogácia.
Ela, Leogácia deixou um valor razoável para pagamento de débitos com a
previdência social do seu filho mais velho, o Avenildo, este estava com várias
contribuições atrasadas no plano de previdência e com seu veículo de trabalho
em condição de miséria, a ponto de quebrar, porém praticando uma manobra astuta
Olivário o filho homem mais novo meteu a mão no dinheiro e foi passar uma
temporada viajando, claro para alívio do período que cuidou da mãe. Avenildo
não se aposentou: coisas entre irmãos, mas isso já foi consequência do
falecimento de Leogácia, por enquanto Olivário ainda tinha um bom trecho de expiação
pela frente, sua mãe ainda iria durar um pouquinho mais. Como guardião de todos
os bens da mãe ele com certeza podem apostar planejaria tirar um naco maior do
que a parte que lhe cabia na herança. Estímulos hereditários para tal
comportamento não faltavam no filho mais novo de Leogácia.
Gotas de suor faziam seu percurso
sinuoso em corpos extenuados aguardando o encontro com alguma piedosa brisa. A
noite repleta de pernilongos ainda ia cair e Leogácia com sua sinetinha na mão
chamava Olivário de dez em dez minutos para pedir alguma coisa ou para pura
reclamação. Essa era a hora na qual ele pensava se tudo aquilo valia a pena,
talvez deixa-la com Levilha fosse melhor, mas e o risco de perder o controle do
processo? Ouvir os impropérios de sua mãe o estimulava ainda mais nos planos
obscuros. Levilha que tanto recurso de forma privilegiada já conseguira de
Leogácia não se firmava. Ela provavelmente não sabia administrar o dinheiro,
mas avidez por mais não lhe faltava. Sua mãe enquanto isso comentava em segredo
para Levilha que seu irmão Olivário a estava maltratando, pura intriga para
estumar os espíritos. Isso ainda ia ser utilizado como argumento na batalha
pela herança. Aquelas palavras utilizadas no momento certo fariam catálise
acelerando a discórdia naquelas almas em conflito.
Mesmo próximo do fim Leogácia
prosseguia com seus objetivos sibilinos, para ela um pouco de peçonha na
relação era fundamental, sem isso a vida não tinha graça. Ela possuía a
determinação do sol que assava impiedosamente aquela depauperada planície até o
ponto das mamonas espocarem ou “pocarem” de acordo com o modo popular de se
falar, implacável modo de ser. Enxugador (toalha) era assessório indispensável
para dar conta da transpiração nos dias de verão. Sob a carícia desta plena
estação Leogácia viveria seus últimos dias e deixaria um legado de discórdia
plantado em forma de controverso testamento, este feito com apoio do seu astuto
filho Olivário. Muitos anos tinham passado desde aqueles nos quais ela
misturava um pouco de cachaça ma mamadeira dos filhos para que eles dormissem e
deixassem-na trabalhar. Isto se repetiu mais tarde, quem bebia água na casa de
Leogácia saia mais calmo, só não sabia que ela costumava triturar um comprimido
de diazepan e misturava na água das garrafas da geladeira. De dia centenas de
moscas de noite milhares de mosquitos, estes se revezavam como companhia
contínua e insinuante agraciando o período.
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