quinta-feira, 24 de julho de 2025

O encarceramento mental.

 


                                                            Image by Cathe from Pixabay.





O encarceramento mental.




E assim no meio-fio dessas esquinas oportunistas do contexto vamos abordar um tema tão antigo como atual e presente na nossa literatura para registro, embora com polaridade política invertida mas sempre relevante no contexto ao qual se aplica, o crime de pensar diferente. Nós, os presentes nessa lacuna de oportunidade exótica que talvez o destino tenha proporcionado pensamos, mas nem sempre foi possível exercer com plenitude essa qualidade, pois sempre existiu e parece que irá portanto existir um filtro controlador aplicado à força com a intenção de reprimir o individualismo e a capacidade natural de análise do mundo conforme a crença que nos fornece estrutura e exatidão para suprir nosso particular mundo de valores. Os totalitarismos, tenham lá a aparência e a embalagem que tenham não convivem muito bem com o contraditório, sempre buscam suprimir a divergência ocasional para manter a uniformidade monótona da opinião oficial, a opinião permitida. Ao regime opressor, seja lá qual for, pensar se torna um insulto se esse raciocínio não estiver alinhado com seus valores estabelecidos à força por suas particularidades excêntricas e consolidadas no alicerce que escolheram para o controle de populações e países. O clássico temor pela liberdade atormenta sempre essas almas periféricas que apenas sobrevivem na monotonia da estagnação mental onde nada muda ou se apresenta como novidade. Essa falta de complexidade queiram ou não, sempre leva ao colapso, a coisa em si, pode demorar mas em algum momento desmorona por simples incapacidade de renovação e ausência de uma sadia diversidade na textura da artificialidade que criaram. Qual exemplo que temos desse comportamento? Memorias do cárcere de Graciliano Ramos, indico a leitura para um comparativo com a atualidade. Veremos semelhanças como que está por vir, gradualmente estamos nos aproximando de situação semelhante, mas observem, os motivos são ideologicamente diferentes, o autor foi perseguido por ter afinidade com comunistas, nós seremos por não termos afinidade com comunistas, entenderam? No seu livro Memórias do cárcere ele relata em detalhes o seu sofrimento apenas por pensar diferente naquele momento histórico onde um regime que não aceitava quem abraçasse este tipo de posicionamento tivesse paz. Intelectual, bom, se os que o Graciliano admirava estivessem no poder, eles fariam exatamente o mesmo ou talvez pior com os que pensassem diferente. Então, preso sem acusação formal – interessante como regimes de força não dão nenhuma satisfação a respeito e seus atos e ações - , o governo era de Getúlio Vargas, hoje herói da esquerda. Na obra primorosa Graciliano detalha exaustivamente suas bizarras experiências com os acontecimentos, os sofrimentos sem explicação plausível e descreve os personagens bizarros de um regime assim.



Fumando como uma chaminé, descrição dele mesmo, vai expondo o interior do intestino de um regime que não se importava muito com o bem-estar de quem julgava perigoso. Não se enganem, de fato, comportamentalmente pouca coisa mudou, talvez você, se cair em desgraça não possa fumar, por risco a saúde, hoje o maligno se preocupa com sua condição de saúde, talvez para que viva mais tempo curtindo o aprisionamento. Hoje por banalidades se consegue uns quinze anos de cadeia fácil. Bom, segundo um posfácio de Wander Melo Miranda há suspeitas de adulteração no texto do Graciliano; mas ainda assim, é uma obra indispensável para navegar nesse universo de regimes opressores, tenham lá a cor ideológica que tiverem. Pode realmente ter sido adulterado, afinal, regimes de força não apreciam a verdade. Algumas coisas são muito constrangedoras para que sejam registradas para a posteridade. Em nome de um recato obsceno se suprime a verdade. Na narrativa ele, Graciliano descreve algumas situações constrangedoras, nem vou ressaltar e chamar muito a atenção, deixarei que vocês Sintam o absurdo: “O padre de Mangaratiba, numa longa visita, procurou salvar nossas almas. - Formatura geral. Era de manhã, o frio cortante nos arrepiava as cabeças peladas, estávamos no curral de arame. Organizaram-se filas, o reverendo surgiu com o tenente Bicicleta, o oficial de beiço rachado, passeou algum tempo a examinar-nos, depois de colocar-se junto à grade, risonho, esfregando as mãos, um brilho de contentamento nos olhos. Sem dúvida nos julgava animais perigosos enjaulados. Entrava na jaula, mas sentia-se defendido, livre das nossas garras, e esfregava as mãos, satisfeito. Indisfarçável aquele ar de triunfo e segurança”. Vocês acreditam que mudou alguma coisa no comportamento dos militares daquele período para hoje? Basta ver a perfídia que usaram com os manifestantes do dia oito, Não há evolução humana onde se recebe educação para virar um prego. E o padre? Estava presente, sabia do que acontecia portanto, conivente. Nesse simples fragmento o Graciliano mostra como o ser humano pode ser cruel e omisso.



Como no passado, não espere ajuda contra uma situação onde os interessados lucram e vivem muito bem dela, você será esmagado e obliterado por essa gente. Foi assim na Alemanha de1939, foi assim na Rússia de 1917, e foi assim no Brasil Varguista. Regimes de força esmagam o contraditório, a humanidade de quem discorda desaparece, e como uma coisa, podem fazer contigo o que bem entenderem. Recomendo a leitura desse livro, Memórias do cárcere, estamos no limiar de uma situação assim e seria bom que vocês compreendessem o que pode vir, não se preocupe com a lacuna de tempo dos procedimentos executados e descritos no livro, o mal é monótono e banal, ele nunca muda. Ao despedaçar adversários ele apenas sorri. E não se enganem, muitos estão associados a esse mal, vozes de conciliação virão para oferecer o comunismo ou o fascismo como algo insípido, inodoro, mas afastem-se desse discurso, o artifício para subjugar vem embalado em palavras doces, As escrituras em Apocalipse 3,15-16 dizem algo a respeito dessa gente morna, apaziguadora: “Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem quente. Melhor seria que você fosse frio ou quente! Assim, porque você é morno, não é frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca”. Então, ler faz muito bem, informa, instrui e oferece entretenimento. Viver sem conteúdo intelectual de valor o transforma em objeto de manobra, sem capacidade de avaliação da realidade. E este mundo não é nem um pouco gentil com despreparados.



Gerson Ferreira Filho.



Citações:


Memórias do cárcere, Graciliano Ramos. Editora Record.


Apocalipse, Bíblia Sagrada.


A maioria dessas crônicas estão em áudio no meu canal do Telegram. Que se chama também Entretanto e pode ser acessado no link abaixo. Uma abordagem mais personalizada do texto na voz do autor.

https://t.me/gersonsilvafilho


A seguir os livros e os links para comprá-los  na Editora Delicatta.

https://editoradelicatta.com.br/


Lançamento já disponível para compra na Editora Delicatta. Trezentas páginas das crônicas mais recentes com os mais variados temas como sempre.








Nenhum comentário:

Postar um comentário