domingo, 8 de janeiro de 2012

Contextos da Usura 9.









Cuidado! O coisa ruim coloca seus vestígios também nos inocentes.



Sob o peso da atmosfera úmida e escaldante os destinos iam sendo costurados aleatoriamente para que no final o resultado fosse o pior possível. Leogácia ia se esvaindo gota a gota, prorrogando o máximo possível o seu sofrimento e o dos seus filhos. Tudo isso sem perder a lucidez, até o final. Olivário o filho mais novo, o encarregado do acompanhamento já estava à beira do delírio. O processo infame já se arrastava por mais de dois anos. Como sofrimento na verdade não purga, Leogácia maltratava o filho dizendo que ele tinha que reaproveitar as fraldas geriátricas descartáveis para economizar. Neste caso além de não purgar era completamente inócuo, Leogácia permanecia exatamente a mesma pessoa.


Abordando mais um capítulo desta trama surreal, Ludmila, a filha mais nova, aquela que nunca deu preocupação ou aborrecimento não ficou sem traços da personalidade da mãe. Casou e a partir daí procurou direcionar todos os vencimentos do seu marido para a construção da casa própria. Em trinta anos raríssimos recursos foram direcionados para o lazer. Diversão deveria ser aquela que fosse a mais barata possível. Viagens de férias, passeios, excursões, tempo em outras cidades, hotéis nem pensar! Dinheiro foi feito para comprar tijolo, cimento, areia etc etc. Pra quê conhecer outro lugar! A beira do rio local oferece uma excelente pescaria. E você ainda leva de brinde a picada de alguns borrachudos para coçar a noite toda até sangrar.


Foram trinta anos assim. Ludmila e sua vida de formiga, coisa herdada da mãe, como se costuma dizer, cavaco não voa longe do pau. Construção, acabamento, ampliação, reforma, mais areia pedra, cimento, piso, rejunte, cal, tinta, porta, janela, soleira, e tome dinheiro, e se o dinheiro não dava vamos aos empréstimos. E o Marido se arrebentando no trabalho, Dilogrécio fazia o melhor possível, procurava ser um autêntico e eficiente provedor, com raras exceções onde as dívidas inibiam a empreitada, no geral ele ia conseguindo fornecer os recursos. Agora a saúde ia perdendo força. Muito trabalho, dedicação integral para alçar novas funções e com isso melhorar o salário iriam consumir toda energia de Dilogrécio. Sem contar que a vida corporativa se passa em um ambiente selvagem, predadores sempre estão a espreita para causar prejuízo a quem trabalha direito.


Carregar o piano e não ter o direito de ver o pianista tocar consumiu muito de Dilogrécio, ele foi se transformando numa sombra automatizada, um vulto robotizado suprindo as vontades de Ludmila. Seu erro foi aceitar isso, mas seria cobrado por ele, pois no final, com o casamento em frangalhos, Ludmila jogou toda a culpa em cima dele, afinal de contas ela era filha de Leogácia e por isso achava que era possuidora de uma inteligência e uma intuição superior, ela; não erra nunca. Se algo deu errado a culpa será sempre de quem está do lado. Bem articulada, mesmo com baixa escolaridade, ela dominou o cenário e Dilogrécio desperdiçou sua vida. O mal tem braços longos, cuidado ele pode te tocar também, isto é, se já não o fez.



Gerson F. Filho.

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