sábado, 4 de outubro de 2025

O significado e o sentido.

 

                                                         Image by Isi Dixon from Pixabay. 




O significado e o sentido.



Tudo começou com uma palavra dita circunstancialmente ao vento, um balbuciar de alguma coisa na poeira do tempo, a princípio algo sem sentido, sem propósito aparentemente. No calor das pradarias, entre exames de moscas oportunistas e também pode ter sido no abrigo das cavernas, terá sido antes da descoberta e controle do fogo? Para que proporcionasse conforto e poesia ao clima? Ou apenas surgiu de grunhidos indecifráveis e grotescos nas ocasiões de risco e ou terror ao encontrar o perigo esfomeado das feras nas savanas? Existe muita controvérsia quanto ao momento, mas a necessidade sempre faz o momento, surgindo de forma impertinente entre essas necessidades prementes das circunstâncias. Com o aumento lógico da capacidade cognitiva de um cérebro em expansão nutrido com proteína animal, as coisas começaram a ficar mais complexas e o outro ao seu lado passou a ser algo além de um objeto que o acompanhava, havia um conexão ainda não produzida na comunidade, gestos apenas não bastavam para distribuir a informação. Nomear coisas pode ter sido o início, coisas simples de uso diário, coisas ainda sem conexão mas com significado para a comunidade. A semântica estava engatinhando em coisas extremamente simples, nenhuma sofisticação, mas já um início promissor. O pensamento confinado em cérebros iniciava sua migração, seu salto de qualidade para outra cabeças, outra moradia que não fosse a de origem. Entre armas para caça e defesa, e a necessidade de ser manter vivo, a comunicação tem papel extremamente relevante no grupo. Essa urgência requisitou algo além de gestos, houve a necessidade de dar oralidade a simbologia inicial gesticular para o aprimoramento da circunstância. Palavras passaram a se combinar em associação natural e conveniência ocasional, o sentido, o traçado partiu da origem esfarrapada para usar agora um traje mais compreensível e até em algumas circunstâncias com abstrações aleatórias se compondo na oportunidade e nas evasivas da compreensão. De forma progressiva o pensamento começou a ser transmitido de forma mais complexa, de palavras soltas a construção de frases conectadas a ação de falar, dentro de um dialeto as ideias já fluíam com um mínimo sentido, porém ainda sem a riqueza gramatical que ainda sofrível e modesta dentro de um contexto de evolução. Já podíamos conversar ao redor da fogueira dentro das cavernas, e até quem sabe, planejar as ações do dia seguinte, da caça, da pesca, etc. Passaria muito tempo até que alguém pensasse em registrar esses pensamentos, enfim, escrever. A escrita foi outro grande salto organizacional na humanidade. Mas casais já poderiam discutir a relação em palavras, sem registros de tudo isso. Apenas desenhos artísticos nas cavernas. Pode ter sido o ponto de partida para elaborar uma codificação específica das palavras, do que era falado, coisa que ainda não existia. Se touros, búfalos, gazelas e até humanos podiam ser representados como imagens nas paredes da cavernas, por que não palavras? Mas até esse insight surgir levariam milênios. Civilizações bem organizadas não tiveram língua escrita. Tudo isso que apresentei para vocês é um cenário hipotético, não existe certeza absoluta de como aconteceu, mas procurei empregar um sentido lógico na coisa toda. Porém apoiado nos especialistas, que levaram uma vida inteira estudando isso como Noam Chomsky que diz: “A investigação sobre o design da linguagem nos dá boas razões para levar a sério uma concepção tradicional da linguagem como sendo essencialmente um instrumento do pensamento”. A linguagem é o transbordamento do raciocínio que já não pode ser contido pela barreira física do corpo e portanto, extravasa até o indivíduo mais próximo como forma de comunicação. Se torna uma ponte necessária para acessar o próximo e dele também receber o retorno devido a ideia oferecida, enfim, comunicação. Em outro momento Noam Chomsky menciona: “Se essa linha de raciocínio estiver essencialmente correta, então há uma boa razão para retornarmos à concepção tradicional de linguagem como um “instrumento do pensamento” e para revisarmos o dictum aristotélico: a linguagem não é o som com pensamento, mas o pensamento com som”.




Para compreensão do próximo se faz necessário a estrutura da linguagem, sem ela provavelmente estaríamos ainda nas cavernas ou nem isso, talvez fossemos extintos por falta de habilidade para sobrevier. E assim, em algum momento fortuito alguém pensou em transformar os sons das palavras em símbolos, com uma ordenação específica que registrasse o sentido e o significado das palavras. Escritos mesopotâmicos cuneiformes, hieroglifos egípcios, ideogramas orientais, e rabiscos com significados padronizados, até chegarmos ao alfabeto utilizado hoje no ocidente o qual usamos. Isto possibilitou facilidades, primeiro as comerciais, junto com números podia-se agora organizar estoques de viveres e mantimentos. Perfeitamente vistoriados e conferidos quanto a valores e quantidade e qual tipo de mercadoria, foi um salto gigantesco de qualidade. E a partir desse uso profissional surgiu o registro de fatos, ações diplomáticas, e por fim, literatura e poesia. Estamos aqui hoje conversando através desse texto dentro de todo esse processo evolutivo da capacidade humana de comunicação, claro, hoje já se vê uma decadência clara de qualidade nesse campo. A população está regredindo, perdendo a capacidade de leituras mais complexas, e isso provoca uma redução na capacidade intelectual de forma geral. Estamos assistindo hoje a um retrocesso claro no nível de civilização que alcançamos até aqui. Noam Chomsky também menciona: “como boa parte da moderna linguística e da moderna filosofia da linguagem, a psicologia behaviorista aceitou muito conscientemente restrições metodológicas que não permitem o estudo de sistemas com complexidade e abstração necessárias”. Aceitou-se um empobrecimento na capacidade de entendimento da população, viver sem capacidade de abstração causa uma sobrecarga no armazenamento de informações e administração da realidade sem focar nos aspectos essenciais da vida, temos algo que margeia a insanidade mental. Já devem ter percebido como este mundo hoje está completamente sem equilíbrio mental. Não há mais especulação da circunstância para adotar uma resposta plausível, tudo gira em torno do imediatismo e da certeza pessoal que a sua opinião é a correta e não se torna possível viver com a divergência sem ser violento. E dentro desse universo de situações Noam Chomsky tem mais algo a dizer: “A linguagem humana pode ser usada para informar ou enganar, para esclarecer nossos próprios pensamentos ou exibir nossa esperteza ou simplesmente por diversão”. Não precisa mencionar como uma população sem capacidade de abstração usará essa ferramenta conhecida como linguagem, usarão da pior maneira possível.




Os termos já foram escolhidos ideologicamente: o pior será o melhor, o feio será bonito, a esperteza e a malandragem qualidades essenciais para a vida. Ser honesto e cumpridor de seus deveres uma falha moral grave, e deve ser eliminada. O conceito moral foi invertido, não há simulação para o indecoroso e sim uma firme adoção de seus critérios infames. Tudo isso apenas adulterando as percepções através da linguagem, hoje corrompida e vilipendiada, para dar espaço a uma cultura de exageros e de permissividade garantida por autoridades já inclusas em todo esse processo. Atingiram com sistematização a profundidade necessária para o fim desejado, destruição social em larga escala. Se os poucos que sobraram com lucidez serão capazes de reverter essa tragédia? Não sei, mas quando não há quem resolva algo o próprio processo colapsa, só demora mais a se decompor. Eles não sabem, mas a eternidade não entra nessa equação.




Gerson Ferreira Filho.


Citações:


Linguagem e mente. Noam Chomsky. Editora UNESP.


Que tipo de criaturas somos nós? Noam Chomsky Editora Vozes.


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