sábado, 22 de junho de 2024

Hipóteses hiperbólicas.

 

                                                        Image by Dave Smith from Pixabay. 



Hipóteses hiperbólicas.



E assim neste contexto bizarro que sangra platitudes exógenas, o inexplicável se faz presente e assume o controle da realidade para usufruir de nossa passividade intrínseca que acossa nossa natureza vil e degenerada quanto aos valores que estabilizam o conjunto social. Não falo de simples conflito com a ambiguidade que acossa o íntimo da alma como o sofrimento de Riobaldo com relação ao Diadorim explicitado em Grande Sertão veredas por Guimarães Rosa, um evento psicológico desse, hoje não seria problema. Conflitos de percepção na nossa atualidade fazem parte do ferramental de desestruturação psicológica de populações. Toda uma construção de desqualificação e empobrecimento cognitivo foi aprimorada através dos anos para que chegássemos até aqui. Houve planejamento, não foi aleatório, intelectuais de esquerda cumpriram muito bem seu papel desestruturante para que a sociedade perdesse seu conteúdo de proteção psicológica baseado nas tradições. Por que cito o Grande sertões? Porque hoje somos tão escravos da ambiguidade como seus personagens, um algo que não deveria mas se faz presente para perturbar nossas almas e seus parâmetros de formação, que se desviam da razão para o tormento cotidiano das circunstâncias, de desejar sem ser possível, de escolher, internalizar, introjetar uma percepção errônea para ser sublimada a ponto de ser aceita pela realidade. Na textura de uma abordagem magnífica da literatura se exprime. “Assim, uns momentos, ao menos eu guardava a licença de prazo para descansar. Conforme pensei em Diadorim. Só pensava era nele. Um João -congo cantou. Eu queria morrer pensando em meu amigo Diadorim, mano-oh-mão, que estava na serra do Pau-d’Arco, quase na divisa baiana, com nossa metade dos só-candelários. Com meu amigo Diadorim me abraçava, sentimento meu -voava reto para ele. Ai, arre, mas: que essa minha boca não tem ordem nenhuma”. Entendam, hoje estamos em conflito semelhante quanto aos valores que nos cercam, uma coisa enviesada, algo que reclama sentido no meio de uma tormenta psicológica na tentativa de entender e conviver com as contradições do que se apresenta como realidade. A imprecisão abraça a incerteza do aquilo que se vê, que se sabe e ainda assim provoca algo que não deveria provocar. A distração gradual que assim fragiliza com seu subterfúgio o emocional. E assim, desviados do caminho e sem perceber a mudança de rota, o destino nos parece uma pantomina esquálida que se apresenta como regaço a um amanhã de tormenta previsível, como o romancista disse: “viver é muito perigoso”. Hoje, nossa realidade já não possui certezas, apenas dúvidas, ou no mínimo um estranhamento sutil como uma neblina no entendimento para dessensibilizar a percepção de que algo está muito errado mais ainda assim deve ser aceito para conforto da razão. Numa dislexia instrumentalizada para desestruturar a compreensão, seguimos no contexto onde a maioria nem faz ideia da textura da realidade e seus pormenores, que um dia no passado foram o tesouro da civilização. Os truques da percepção são intensos e profundos, Se faz necessário sobreviver nesse caminho, romper auroras invadir ocasos circunstanciais e absorver a efêmera atmosfera desses momento, para que sejam o combustível que alimente um provável, porém incerto amanhã. Se na normalidade já não existem certezas, muito menos aqui, nesses atalhos psicológicos dos momentos onde a fugacidade do destino se torna impaciente como pretexto de mau agouro. O deslize fortuito para a armadilha se apresenta como a alma do truque e assim necessitamos de análise, de raciocínio para escapar e prosseguir com alguma noção do que é certo e errado, pois lidar com o perigo e com o engano fortalece a alma. Aquilo que nos engana também ensina, por isso se faz necessário possuir um espírito inquisitivo, perseverante na busca por respostas decisivas, e não acreditar de pronto naquilo que se apresenta como fato consumado. Dissecar o argumento é o propósito, apenas com a análise das minúcias subliminares se obtém a resposta desejada e que satisfaça a nossa vontade. E assim sendo as maravilhas literárias que nossos ancestrais nos deixaram, proporcionam a qualidade necessária para entender o cotidiano, isso se você tiver acesso a elas, eu sei, hoje isto não é prioridade no ensino, e por isso a dificuldade de entender o cenário. Entenda, muitas vezes e apesar de tudo a sua volta, indicar que há erro, você ainda assim está certo nos seus pressentimentos e desejos. O processo ilusório se faz cruel e determinado, como no lamento de Riobaldo: “Mas os olhos verdes sendo os de Diadorim. Meu amor de prata e meu amor de ouro. De doer, minhas vistas bestavam, se embaçavam de renuvem, e não achei acabar para olhar para o céu”.



Ao não perceber que o que via era mesmo o que sua percepção olhava com paixão, não lhe foi possível viver de fato o que de jeito matreiro se ocultava perante aos seus próprios olhos, e assim não usufruiu do que seria possível alcançar. Ah, esses truques da percepção que nos atormentam. Perscrutar com zelo a realidade se faz necessário e pode mudar o rumo da sua vida, não se deixe enganar por aquilo que aparenta ser, ou acabará nessa situação descrita no romance: “Não escrevo, não falo! - para assim não ser: não foi, não é. Não fica sendo ! Diadorim. Eu dizendo que a mulher ia lavar o corpo dele. Ela rezava as rezas da Bahia . Mandou todo mundo sair. Eu fiquei. E a mulher abanou brandamente a cabeça, consoante de um suspiro simples. Ela mal me entendia. Não me mostrou de propósito o corpo. E disse: Diadorim nu de tudo. E ela disse: - A Deus dada. Pobrezinha”. E perante a realidade ainda lamenta mais uma vez: “Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero”. Nunca leu essa obra literária? Lamento, meus pêsames por sua evidente incultura explícita. São essas coisas que não são mais ensinadas e incentivadas que fazem toda a diferença. Não possuímos essa aculturação generalizada impunemente. O processo de empobrecimento cognitivo começa ao negar acesso ao vasto trabalho literário que possuímos, uma escola não trabalhar com esse livro para interpretação de texto e análise gramatical é um desperdício de conhecimento colossal. Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, eu recomendo. Pois, como o próprio autor recomenda: “viver é muito perigoso”. Eu acrescento: ainda mais para os despreparados e incultos.



Gerson Ferreira Filho.

ADM 20 – 91992 CRA – RJ


Citação: João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Companhia das Letras.    



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