segunda-feira, 3 de junho de 2024

Nossas peculiaridades.

 

                                                    Image by bere von awtburg from Pixabay. 



 Nossas peculiaridades.




Assim sendo, nessas particularidades estranhas e de estrutura caleidoscópica, prosseguimos como sociedade de senso criativo adaptável a qualquer intromissão conceitual que por acaso venha a se apresentar como objeto de sedução compulsória, aqui para a maioria o propósito, o objetivo nunca foi prioridade, a vida segue submergindo na aleatoriedade confortável da incerteza que abraça o critério altamente volúvel chamado sorte como o destino final da trajetória de vida. E Deus que nos ajude, porque apenas o milagre esporádico pode nos salvar de uma existência miserável. É certo, o ser humano sem propósito não é muito diferente de um boi no pasto, mas nestes trópicos escaldantes é assim, não há objetivo estabelecido para saltar de classe, de padrão de vida, de planejamento através do tempo para emergir mais a frente em futuro melhor. E sendo assim, estamos prontos agora para que aqui seja o laboratório de experiências sociais exóticas de manipulação de comportamento, se existe vazio, ele será ocupado por algo ou alguma coisa. Onde melhor seria palco para gestar absurdos se não em lugar onde a mansidão e a irrelevância comportamental tem profundas raízes na alma dos habitantes? Somos vítimas da nossa particular construção comportamental onde a ausência do objetivo traçado na precoce idade leva a maioria de nós a um perfil de flutuação inconsistente na estrutura existencial do tempo que nos foi concedido. Não por falta de aviso de alguns poucos intelectuais que ainda podem ser referência na nossa depauperada academia, onde hoje apenas sicofantas do ensino, com suas proposituras de latrina infestam as organizações de ensino. Gilberto Freire na sua obra Casa-grande e senzala já descrevia de certa forma essa origem, podemos dizer original que possivelmente compõe o comportamento aqui: “A singular predisposição do português para colonização híbrida e escravocrata dos trópicos, explica em grande parte o seu passado étnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África, nem intransigentemente de uma nem de outra, mas das duas. A influência africana fervendo sob a europeia e dando um acre requeime à vida sexual, à alimentação, à religião; o sangue mouro ou negro correndo por uma grande população brancarana quando não predominando em regiões ainda hoje de pele escura”. Ah, lamento informar, você descendente de portugueses, a maioria aqui, apesar da sua branquitude hoje tem um teor de mestiçagem no passado, a Península Ibérica foi dominada por trezentos anos por Mouros, e eles não eram brancos, ninguém domina por tanto tempo um território sem deixar na genética populacional sua marca. Sim, o branco europeu que chegou aqui já era batizado geneticamente e portanto, com toda a carga comportamental de sua ancestralidade difusa, distribuída para delimitar e implementar gostos e prazeres que pertenceram a todos os seus antepassados. Em termos de adaptação, um sucesso, mas de certa forma, de posse de uma flexibilidade bem maior do que os europeus caucasianos puros, na sua natural inflexibilidade de adaptação a novas regras e costumes comportamentais. Com essa predisposição para aceitar o diferente, portugueses se casaram com índias, com africanas, e assim temos hoje uma população predominantemente parda. O que nos dá vantagem adaptativa e ao mesmo tempo fragilidade afetiva ao sermos solícitos a qualquer disparate oferecido por agentes externos que buscam fragmentar o nosso convívio social. Importando preconceitos extremos de divisionismo de países onde caucasianos intolerantes cultivaram por séculos rancor e ressentimento tribal entre suas populações, hoje temos também aqui focos de intolerância extrema e de políticas segregacionistas daquilo que é muito misturado. Não há aqui um indivíduo que não tenha algo de índio em si, talvez seja exagero, mas uma quantidade considerável de habitantes desse lugar chamado Brasil. Se não possuir genética indígena, está impregnado culturalmente com o perfil natural dessa terra. Eu pessoalmente sei, tenho doze por cento deles, já fiz mapeamento genético, tenho negros também, judeus, e predominância caucasiana, que está presente na cor da minha pele. Então, seus hábitos, suas preferências alimentares, seu jeito de falar um português diferente do de Lisboa entrega que você, tenha a cor que tiver, é um produto desse pedaço tropical de mato. Tenha vindo de onde vier, da África, da Europa, do Japão etc. Aqui o turco come tapioca.


No livro de Gilberto Feire cita essa abrangência cultural onde estamos mergulhados até o pescoço e um pouco mais: “Teodoro Sampaio que pelo estudo da língua Tupi tanto chegou a desvendar da vida íntima dos indígenas do Brasil, afirma que em torno à habitação selvagem e “invadindo-a mesmo com a máxima familiaridade, desenvolvia-se todo um mundo de animais domesticados a que chamavam mimbaba”. Mas eram todos animais antes de convívio e de estimação do que de uso e serviço: “Aves de formosa plumagem, como o guará, a arara, o canidé, o tucano, grande número de perdizes (inhabi ou inhabu), urus e patos (ipeca) animais como o macaco, o quati, a irara, o veado, o gato (pichana) e até cobras mansas se encontravam no mais íntimo convívio”. Havia entre os ameríndios dessa parte do continente, como entre os povos primitivos em geral, certa fraternidade, entre o homem e o animal, certo lirismo mesmo nas relações entre os dois”. Agora, digam, como podemos implementar um ódio a uma diferenciação com essa herança comportamental desse tipo? Onde a fraternidade era a regra primordial de convivência entre todos os seres vivos? Poderíamos até conjeturar que, os civilizados eram eles e não aquela turma fedorenta que veio da Europa onde o hábito do banho não era lá essas coisas primordiais. Tudo bem, algumas tribos comiam carne humana, mas eu os perdoo pois o cheiro do europeu pedia carne bem passada, no churrasco ancestral. Não há civilização sem suas esquisitices e costumes controversos. O europeu vivia coberto de lodo fétido originário de uma pele gordurosa própria para o frio, e que aqui nos trópicos tem um efeito devastador no aroma pessoal. Lembrem-se, inventaram poderosos perfumes para neutralizar a falta de higiene pessoal. Bastava um banho bem tomado por dia. E assim temos nosso particular pedaço de realidade, onde até descobri que o nome bichano que dava ao meu gato tem origem tupi, pichana. E que um delicioso aipim cozido quentinho com manteiga alimenta minha ancestralidade num casamento perfeito de sabores. Meu percentual escandinavo predominante se casou com a índia formosa de um paraíso perdido, e assim como a maioria aqui, misturados estamos, não só conceitualmente mas de fato. E se de fato somos o produto de tudo isso, não devemos alimentar o ódio divisionista, o que até nos fragiliza na forma comportamental, nos fortalece como algo que podemos trabalhar sim, para que não sejamos vadios e indolentes. A malemolência que nos fustiga deve ser trabalhada para que produza um futuro produtivo e sem diferenciação, pois a cor da pele aqui não diz o que você é de fato, e afinal, o que nos diferencia na realidade é o caráter, os valores e o grau de civilização no qual é possível viver. Todos nós temos um pouco da totalidade, seria insano não entender isso.



Gerson Ferreira Filho.




Citação: Gilberto Freire, Casa-grande & Senzala. Global Editora.  



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