sábado, 31 de agosto de 2024

A imposição do colóquio.

 

                                                              Image by Canva from Pixabay. 




A imposição do colóquio.




Então, demorou mas aqui chegamos nos tempos do conselho, do soviet, dos mencheviques e dos bolcheviques. E entre moderados e radicais, todos morreram, morreram desejando criar uma coletividade. Quem conhece um pouco de história sabe, mencheviques desejavam algo gradativo, bolcheviques queriam o peso a força, essa energia das profundezas engoliu a todos. E assim estamos aqui em meio de recrudescimento autoritário, com teores de um passado que saiu das tumbas ideológicas, para nos atormentar. Quem previa um futuro de liberdade e progresso, um futuro de avanço nos direitos humanos, errou inexoravelmente, despertamos a escuridão de tempos cruéis, onde falar o que se pensa poderia custar à vida. Parece filme de ficção científica retrô, um túnel do tempo que nos leva até a Rússia de 1905. Naqueles tempos de insanidade onde gerou o que aconteceu em 1917. Mas como citou Soljenítsyn no fim do seu depoimento O Arquipélago Gulag: “Não há história que não tenha fim. Em algum ponto do seu curso, toda história deve se interromper”. Claro, para desespero dos que amam o totalitarismo. Essa fórmula do inferno foi remodelada, um dos eruditos intelectuais que trabalhou nisso, pois já pressentia a sua morte, a morte do comunismo, devido aos métodos brutais de aplicação foi Georg Lukáks. Ele deixa isso bem claro Na sua história e consciência de classe ao citar a nova metodologia que deveria ser adotada: “O método das “ciladas dialéticas” do hegelianismo mostram claramente onde leva esse caminho. Mostram que é preciso justamente separar a dialética e o método do materialismo histórico se se quiser fundar uma teoria consequente do oportunismo, da “evolução” sem revolução, da “passagem natural” e sem luta ao socialismo”. Eu já utilizei essa citação interessante em outra crônica, hoje em algum dos meus livros, mas o momento pede que cite ela novamente. Vejam, ele fala em oportunismo, em um momento crucial para o movimento comunista, vale citar que Lukáks foi perseguido na época por seus pares, teve de fugir e se esconder, a brutalidade original não gostou das ideias dele. Mas foi justamente nas ideias dele, que o comunismo sobreviveu para uma passagem natural para o que viria a ser conhecido no futuro como socialismo, social democracia e hoje progressismo. A origem é o profundo arbítrio, inegável e impossível não sentir o teor da barbaridade original impregnada na doutrina. A famosa Escola de Frankfurt, se baseou nele, Lukáks. Marcuse, Adorno e tantos outros beberam nessa fonte. O que se vê hoje em termos de intolerância tem essa origem. Não há mais revolução, não há mais combate sangrento, o arbítrio vai se instalando como ele citou, como uma “passagem natural” que leva ao completo fim do processo, o fim da liberdade. Através da cultura, da imersão constante no discurso enviesado quanto aos costumes, relaxando as tradições, se chega ao ponto desejado pelos totalitários, o controle total da sociedade. O que hoje um único homem faz, claro, não sem respaldo , tem essa origem. Uma vez que toda a estrutura está sob controle ideológico, não há mais hipótese de retorno. Este insidioso processo social não para nesse ponto, em breve teremos a ação dos “colaboradores”. Dos alcaguetes, aqueles que voluntariamente passarão a ser a peneira do sistema. Todo regime político dessa espécie tem essa fase. Muitos voluntariamente, e outros por coação do sistema, que aplica chantagem em elementos aleatórios da sociedade para obter informação. Soljenitsyn cita no seu livro: “Traição como modo de sobrevivência. Após muitos anos de convivência com o medo, para si e para sua família, uma pessoa torna-se um vassalo do medo, submete-se a ele. E percebe que a forma menos arriscada de existência é a traição constante”. Nesse caldo cultura infame, onde o alcaguetamento passa a ser modo de sobrevivência, ninguém está seguro, mesmo não fazendo nada de ilegal. Pois alguém querendo mostrar serviço e assim sobreviver pode simplesmente inventar que você é um subversivo. Afinal, nesse tipo de regime todos querem ser o funcionário do mês. E assim, vejam bem, não querendo impor o medo, mas quem estiver hoje violando as determinações do imperador, correm sério risco de perder a liberdade. Porque certamente os delatores já devem estar imprimindo a sua participação no X/Twitter para enviar ao órgão de repressão. Tem gente que faz isso por prazer, embora seja indigno, tem muita gente que não possui nenhuma dignidade. Não duvide nem por um minuto, que farão isso. O ambiente mental dessa gente tem odor característico, fede. Mas não se preocupe com algum desconforto entre eles, essa atmosfera mental lhes dá prazer, eles ficam chocados e incomodados é com a normalidade, com a ética , com a lealdade e a honra. E assim, nesse processamento de circunstâncias o regime se consome até se inviabilizar em algum momento.



Todos de alguma forma já devem ter ouvido falar de um método conhecido como expurgo. Em coletivismos, a ânsia pela purificação ideológica e da metodologia cria situações de reforma. Se trata de um processo natural de recomposição da estrutura política, para se manter e não estagnar, o sistema elimina parte de seus colaboradores, mesmo os mais fiéis. E assim, muita gente que colaborou com toda lealdade possível é eliminado sem constrangimento, é pela causa, não é pessoal. Até porque a significação de “pessoal” já foi eliminada da realidade tem tempo em regimes assim. Não existe o conceito de pessoa, de individualidade de independência pessoal, tudo faz parte da estrutura do Estado, até você. Sua vida é apenas uma peça que se encaixa enquanto for conveniente para o governo. Deixando de ser assim, você será sacrificado, se orgulhe, você vai para o paredão por uma causa nobre, manter o regime. A loucura chega a tal nível que elementos selecionados para morrer, se orgulham de morrer para fortalecer a causa. No livro Arquipélago Gulag tem uma passagem assim. Como agem assim? Simples; reconhecem o mal como bem. Soljenitsyn cita também: “Para fazer o mal, a pessoa deve primeiro reconhecê-lo com bem, ou como uma ação razoável e regular. Tal é, felizmente, a natureza do ser humano: ele precisa buscar uma justificativa para suas ações”. E se justificando internamente dentro desse vácuo moral, as atrocidades com seu semelhares são plenamente possíveis. A filósofa Hannah Harendt já qualificou: “A banalidade do mal”, O maligno é bem trivial. Nunca esqueçam disso.



Gerson Ferreira Filho.

ADM 20 – 91992 CRA – RJ

Citações:


Arquipélago Gulag de Aleksandr Soljenitsyn. São Paulo Cambraia.


História e consciência de classe. Estudos sobre a dialética marxista. Georg Lukáks. Martins Fontes Editora.



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