terça-feira, 21 de maio de 2024

O sentido.

 

                                                     Image by Gopinathyadav from Pixabay. 




O sentido.


O momento, tudo aquilo que se vive, que se incorpora, que adere ao nosso ser. Que mora no passado, que está conosco no presente, que constrói o futuro, mesmo com todas as incertezas impetuosas, à regalia da contradição que usa a sua prerrogativa abraçada ao destino, e nos questiona, se é isso mesmo o que queremos ser. O tempo foi concedido em frações limitadas que rolam num infinito que não é nosso. Está lá apenas para que tenhamos a noção exata do que somos, uma nada no contexto, um toque de arrogância respingada nas margens de um tecido enrolado na bancada no ateliê do Criador. Apenas uma metáfora inclusiva dizendo que somos o que temos de ser, adaptação, ou apenas restos de um descuido da natureza. Uma poeira cósmica que ganhou a preferência momentânea da criação. Estamos num detalhe de um sorriso, numa lágrima ousada que rola pela face, no ressentimento e na paixão. Não somos a ação em si, mas o significado presente naquele específico intervalo onde a ação e a reação fez de nós um fortuito protagonista nessa paixão incontida de ser. E por sermos o que somos, nos deleitamos com nosso jeito, viajando na frequência infinita dessa partitura que não tem padrão. Não é fácil apenas se encontrar, talvez o óbvio não seja tão simples e apenas a solidão entre vazios explícitos possa ser companheira dentro daquilo que nos envolve. Como estabeleceu filosoficamente Ortega y Gasset: “só em nossa solidão somos nossa verdade”. Entre silêncios nos encontramos com nosso próprio eu, nossa metade metafísica a parte que guarda todos os nossos medos, nossas indecisões e nosso amor. Nesse suposto nada onde toda e qualquer reverberação não caminha ao encontro de um destino, o clamor da ação não se consuma pois já não há confrontação de interesses. Como disse certa vez o filósofo Buda: “Se conseguires ficar silencioso como um gongo de bronze partido, então atingiste o Nirvana, porque já não há discórdia em ti”. O que leva a conclusão que; se quebrados estamos, na verdade inteiros seremos na ausência completa das paixões. Não estaremos mais desumanizados dentro de um coletivo, pois a coletivização reduz a significância de ser, de se possuir, de existir para si e nada além disso. E neste caso Ortega y Gasset tem algo a dizer a respeito do método: “E eis nossa análise, sem tê-lo buscado nem premeditado, sem precedentes formais – ao menos que eu saiba – nos pensadores, põe em nossas mãos algo desnorteante e até terrível, a saber: que a coletividade é, sim, algo humano; mas é o humano sem o homem, o humano sem espírito, o humano sem alma, o humano desumanizado”. Ou seja, somos apenas nós mesmos quando estamos no nosso próprio domínio, mergulhados nesse oceano profundo de vontades, onde influências aleatórias do exterior não possuem mais o poder de nos controlar ou desabrigar nossa razão com subterfúgios rudimentares dos sentidos. O que sentimos e o que vivenciamos está dentro das paredes do nosso ser, abrigado, protegido da maledicência formal de um mundo selvagem quanto aos sentidos alheios. Essa capacidade de estar em si e também presente no mundo exterior é o que equilibra a sociedade, proporcionando civilização e toda boa regra de convivência plena em grupo. Para sustentar a civilização se faz necessário equilíbrio e não a aderência ao divisionismo programático que aplicam ideias obscuras de comportamento onde o próximo deve ser invejado, odiado e excluído apenas por possuir supostamente alguma vantagem no cenário. Quem não zela pela civilização se condena a voltar ao estágio da selvageria primordial de onde saímos no alvorecer da nossa existência. Voltando a praticar uma enormidade de brutalidades sem a mínima noção do que se realmente se está fazendo. Basta um descuido, um lapso e sempre aparecerá uma oportunidade de desvio. Melhorar a qualidade do indivíduo com o mergulho profundo em si, oferece uma firme proteção contra projeções psicológicas elaboradas para desagregar a alma e assim exercer domínio pleno sobre o ser humano que não terá mais oportunidade de se estabilizar na sua própria frequência primordial. Poucos conseguem se recompor depois da posse externa dos seus sentidos, há uma formação de dependência estabelecida que sempre direciona o dominado para as mãos do seu algoz. Gente assim é domesticada, se tornaram em animal doméstico, que entrega fidelidade ao seu dono, ao seu mentor intelectual. O adestramento animaliza o ser, criando correntes que envolvem a alma incauta em objeto para uso de acordo com as necessidades do manipulador e não do fantoche. Hoje é o que mais se vê na nossa persistente fratura social.


É muito fácil se perder nesse mundo, e se perder de diversas maneiras, e a mais cruel, é perder-se de si mesmo, onde de alguma forma nos tornamos objeto para uso de algo ou alguém, de alguma forma o instinto de sobrevivência pessoal age e reverbera no íntimo do ser a necessidade de se encontrar. Porém há os que se encontram em meio a predição, entre as águas bravias que se agigantam por todos os lados como citou Ortega y Gasset: “Aquele que não se sente verdadeiramente perdido, perde-se inexoravelmente; quer dizer, jamais se encontra, nunca encara a própria realidade”. O quase se afogar no caos das circunstâncias fortalece o espírito ou o destrói completamente, e o põe em perdição eterna. A situação passa a ser exatamente essa, nadar na convicção de que existe algo além da tragédia cotidiana, um algo mais depois das hipóteses vadias que tentam engolir uma alma combativa com seu volume colossal de platitudes. Transcender! O objetivo clássico, ser e estar acima da pertinaz querela do suposto destino, que nos atrai silenciosamente para a parceria inadequada dentro das circunstâncias artificiais geradas na infâmia e com pretensão de iludir. As desavenças do caminho não serão obstáculo para aquele que conhece seu próprio interior, e no silêncio de si mesmo já encontrou seu sistema de navegação inercial que permite enfrentar toda e qualquer turbulência. O ardil do universo prepara a armadilha na hipérbole da sua peculiar natureza, onde tudo dura para sempre e ao mesmo tempo se consuma de imediato. Com sua peculiar desídia, o todo não se importará contigo, se você mesmo não se ajudar. A nossa estabilidade psicológica e filosófica direcionará o nosso corpo, para o resgate ou para a escuridão de não ter mais pertencimento e segurança pessoal. O agora é o palco, e a peça teatral munida de passado e esperançosa em algum futuro promissor depende apenas de você, de que encare seus limites e expanda-os para superar as circunstâncias, com o total propósito de evoluir e se libertar do ciclo de sofrimento das tantas idas e voltas nesse espetáculo, seja pleno, absoluto, carregue a severidade da certeza e nada tema no porvir. Conforme disse o Buda: “Aquele que chegou ao fim, que não tem medo, desejo ou paixão, que cortou com o sofrimento da vida, este é seu último corpo”. Há os que creem e os que desdenham, mas afinal, o cenário seria extremamente monótono se não existisse controvérsia, o sal, o tempero do espírito para divagar em toda e qualquer hipótese plausível, pois de tempo somos carentes, mas no passar das horas e dos tantos dias e anos precisamos de entretenimento para abrir a percepção de que algo mais existe além de nós. A serenidade implícita flutua e se impõe como característica do Todo.




Gerson Ferreira Filho.


ADM 20 – 91992 CRA – RJ



Citações:


A rebelião das massas e O homem e os outros de José Ortega y Gasset. Editora Vide Editorial.


Dhammapada. Buda. Os ensinamentos do Buda, tradução introdução e comentários do professor Dr José Carlos Calazans. Editora Mantra.



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