sábado, 3 de fevereiro de 2024

A fábula da irrelevância.

 

                                                       Image by edith lüthi from Pixabay



A fábula da irrelevância.



Eram ditos e idos nas dobras do tempo onde dormiam procedimentos loucos e sugestivamente desequilibrados no espaço que lhes cabia para ser algo um pouco acima do desprezível. Protegidos em pura ignorância estrutural se movimentavam e acossavam seus semelhantes com a bestialidade que aleatoriamente surgia entre os espaços de uma mente praticamente vazia. No ar ecoava o brado das urgências exotéricas penetrando pradarias repletas de banalidades esguias e opções degeneradas para consumo pessoal, com o sabor do café de ontem. Forneça aos animais a ração do dia, não importa se azeda ou em fermentação encaminhada, não faz diferença para quem tem fome. Apenas não esqueça de manter a aplicação dos fármacos em dia, não vá querer reduzir sua lucratividade que lhe permite viver bem à custa de todos. Os loucos aos poucos não se pertencem mais, diria no passado algum intelectual, mas isso é passado, resíduo de tempo perdido, ofuscado por circunstâncias priorizadas para obliterar a razão, essa parcela de humanidade perdida entre eloquentes discursos massificadores para aglutinar propósitos de cunho perverso na mente coletiva que hoje se entrega de bom grado à infâmia. Dementes já não se envergonham de se expor ao público em ocasiões sistemáticas, a lei não é mais o que deveria ser, mas apenas um conjunto de vontades particulares consultadas no momento da ação vadia que de vazio se estrutura na margem do bom conceito com o charme de um mandrião ocasional. O limite não se preocupa mais com a margem, qualquer procedimento correto já foi expulso da realidade por transbordamento, e provavelmente flutua no universo de boas possibilidades perdidas. Se puder trair o faça sem remorsos, afinal, o que importa é a vantagem pessoal, o lucro tão odiado pelos socialistas transformado em método. Porque não sendo a princípio pecuniário não tem relação com a usura, mas com versatilidade de caráter. Lembre-se sempre: nesta selva o mais apto sobrevive – como um velho ensinamento acadêmico – e você não vai deixar de ser pura vilania com quem lhe cerca e assim perder uma chance, uma oportunidade de ter seu ágio existencial garantido, vai? Tirar proveito do próximo, nestes novos tempos é uma qualidade imprescindível para um bom cidadão do novo mundo, e para isso foram cultivados criteriosamente toda uma safra de idiotas, sempre uteis para o uso em qualquer ocasião. Pormenorizar detalhes desse preceito não seria adequado, poderia gerar um sentimento claustrofóbico de um elevador travado e sem previsão de ser reestabelecido em operação. Aos amigos de hoje tudo, aos inimigos nem a lei, já dizia um aforismo antigo e hoje método aplicado diariamente. Claro, os amigos de hoje podem simplesmente não ser amanhã, e sendo assim, não se acanhe, faça o expurgo. Sem constrangimentos, afinal, apego não é coisa que se possa valer como critério de seleção de proximidade social. Nessa nova realidade é imoral não punir implacavelmente aquele que você acha que desonrou sua aproximação. Repita diariamente ao acordar e olhar no espelho: eu sou Deus.


Você habita um grão de areia que flutua e gira em torno de uma bola de fogo que também se movimenta dentro da galáxia, e esta, também viaja sabe-se lá para onde eternamente, mas entenda você é a última bolacha do pacote. Dá nó em fumaça e pernada em sombra, lhe concederam inadvertidamente possuir a chave para abrir todas as latas, você só precisa manter o status atual. E se for preciso algumas maldades para temperar esse caldeirão, não se acanhe, a única coisa que você não pode fazer é perder a referência de que seu reino depende de coisas finitas e intangíveis. Toda estrutura se criou dentro de um lógica, torta, mas ainda assim uma lógica operacional. A natureza tem seus segredos, e e outros animais nessa selva também são providos de cobiça. Não seja boçal o suficiente para que não perceba que adversários cozinham seus desejos particulares em fogo brando, você é o prato principal, afinal, essa é a lei da selva e você não está fora dessa realidade. Deu saudades da civilização? Quando existia ética, tradição, respeito a todo e qualquer norma aprovada por representantes do povo? Pois é, a cabeça do líder gera poder a quem a arranca do corpo. Não se preocupe, nunca é pessoal, você apenas cochilou no trono, não leve a mal o mau jeito. Uma tradição da civilização razoavelmente comprovada diz que aquele que vive pela espada morre pela espada, quem vive pela paz morre em paz com as exceções de sempre. A velha norma da semeadura, ação e reação, causalidade e por ai vai. Tudo tem um início e um fim, Arroubos eufemísticos de poder são sempre registrados no caixa da contabilidade do destino. Não se preocupe, está tudo anotado e planilhado para o dia da cobrança. Não acredita? Problema seu, o credor não se importa com isso, tuas ações serão pormenorizadas e catalogadas por dano que possa ter causado ao seu semelhante, lembra-se dos dias de arrogância? Então, o mesmo peso será aplicado a você. É uma gentileza do processo, dar a quem merece justamente a proporção aplicada no passado, não queira receber beijos e abraços quando ofereceu violência e deslealdade. Neste pântano cotidiano que nos oferecem como realidade o óbvio deixou de ter relevância, e qualquer disparate passou a ser tratado como cultura relevante, assim, nessa contradição sistêmica holisticamente perversa tentamos sobreviver na apoteose da bazófia onde uma minoria presume ter caráter divino como estrutura arquetípica conceitual de si. Poderíamos citar Fernando pessoa em sua poesia: “cadáver adiado que procria”. Ou de forma mais abrangente: “ Sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria”. Não existe validade de prazo para urgências da insanidade. Onde a metafisica não explica a poesia baila na margem escorregadia dos conceitos. Não seja um produto desse tempo, nada há de relevante e enriquecedor aqui. Tenha assim o real conhecimento da sua finitude, do tempo que há de lhe consumir e seja mais gentil com o seu próximo, a verdadeira justiça pode tardar com seus curtos passos, porém ela sempre chega, inevitavelmente para se fazer sentir, e premiará o justo com sua sentença e ao injusto aplicará o resultado dos seus atos e ações.


Deixe aos loucos a irrelevância como fábula, eles querem protagonismo, eles que se percam no deserto de suas convicções, escaldados na secura tradicional de suas hipóteses mundanas. Um dia serão apenas uma página virada, uma má recordação que os poetas utilizarão para estruturar seus versos com o intuito de alertar o próximo desequilibrado que se arvorar a ter tudo apenas para si. Serão exclusivamente uma referência de algum anedotário bizarro de um passado distante para ocupar e entreter jovens em horas desocupadas. Efêmero é o sonho de um sequaz que busca poder na sua particular sofreguidão por importância pessoal. Não necessariamente quem ocupa o primeiro lugar será recebido, mas sim o justo que ocupa o fim da fila.



Gerson Ferreira Filho.

ADM 20 – 91992 CRA – RJ.


Citação: Fernando Pessoa. Quinta: Dom Sebastião Rei de Portugal.


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